terça-feira, abril 08, 2008

Lembranças de oitocentos

Não há nada com o velho Eça para mostrar que algumas desgraças não são assim tão inéditas nem "sinais dos tempos" como isso. E que ciclicamente as rebeldias dos discípulos acontecem. A tecnologia é que é diferente.

Um homem magro, com uma testa muito branca e larga, como talhada para alojar pensamentos altos e puros, ensinava, falando das instituições da Cidade Antiga. Mas, mal eu entrara, o seu dizer elegante e límpido foi sufocado por gritos, urros, patadas, um tumulto rancoroso de troça bestial, que saía da mocidade apinhada nos bancos, a mocidade das Escolas (...). O Professor parou, espalhando em redor um olhar frio e remexendo as suas notas. Quando o grosso grunhido se moderou em sussurro desconfiado, ele recomeçou com alta serenidade. Todas as suas ideias eram frias e substanciais, expressas numa língua pura e forte; mas, imediatamente, rompe uma furiosa rajada de apitos, uivos, relinchos, cacarejos de galo, por entre magras mãos, que se estendiam levantadas para estrangular as ideias. Ao meu lado, um velho, encolhido na alta gola dum macfarlane de xadrezes, contemplava o tumulto com melancolia, pingando endefluxado. Perguntei ao velho:
- Que querem eles? É embirração com o professor... é política?
O velho abanou a cabeça, espirrando:
- Não... É sempre assim, agora, em todos os cursos... Não querem ideias... Creio que queriam cançonetas... É o amor da porcaria e da troça.
Então, indignado, berrei:
- Silêncio, brutos!

De A Cidade e as Serras, bem lembrado n´O Cachimbo de Magritte

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