quinta-feira, maio 22, 2008

Nas asas das Águias - o êxodo dos judeus iemenitas

Ao ler este post de A. Teixeira publicado no Herdeiro de Aécio sobre as tribos israelitas e as migrações de judeus provenientes da África ou de outros territórios do Médio Oriente, lembrei-me do caso particular dos judeus iemenitas.

Perdidos na colónia britânica do Iémen, no canto sudoeste da Arábia, a velha comunidade judia, ali existente desde tempos imemoriais, encontrava-se na sua grande maioria na zona de Aden, o maior porto da região. Com a proclamação do Estado de Israel (de que se comemoraram há dias sessenta anos), a maioria muçulmana iniciou com um processo de hostilização e de agressões aos judeus, que envolveu incêndios a casas e armazéns e algumas dezenas de mortes. Tendo também notícias da criação do novo estado hebraico, os judeus resolveram então fazer o seu Êxodo e rumar a Israel. Como viviam praticamente na Idade Média, sem quaisquer meios motorizados (só havia um automóvel em Aden) ou telecomunicações, formaram uma extensa caravana, de contornos bíblicos, disposta a atravessar os desertos das Arábias, que muito surpreendeu as autoridades britânicas colocadas na ainda colónia.

Quando souberam da intenção de tal façanha, os israelitas resolveram formar uma ponte aérea para trazer todos os que quisessem ir para a "terra prometida". Assim, recorrendo a aviões americanos e britânicos, realizaram várias centenas de voos no espaço de ano e meio, transportando quase 50 mil pessoas, entre as quais se contavam igualmente alguns judeus da Etiópia. Os voos eram secretos, para impedir eventuais sabotagens árabes e garantir a segurança dos refugiados.

Todo este esforço ficou conhecido como Operação Tapete Mágico, ou Operação nas Asas das Águias. Se a primeira se percebe bem, a segunda precisa de uma explicação: no seu primitivismo, os judeus iemenitas não conheciam o avião, e ficaram naturalmente atemorizados com a perspectiva de voar naquelas máquinas enormes e brilhantes. Todavia, os seus sacerdotes encorajaram-nos a embarcar, dizendo que era apenas o cumprimento das profecias bíblicas, segundo as quais alcançariam a Terra Prometida montados nas asas de águias (em Êxodo 19:4 e Isaías 40:31). As águias em questão eram DC 3 americanos. Ainda que amedrontados, ficaram convencidos e deixaram que a sua fé os levasse de avião para Israel, adaptando-se rapidamente ao novo meio de transporte. Cumpria-se assim a profecia e chegaram novas levas de judeus a Israel, originários do sul da Arábia.

2 comentários:

A.Teixeira disse...

Caro João Pedro

Na impossibilidade de o fazer por correio (o endereço que menciona no cabeçalho do blogue, devolve-me consecutivamente as mensagens que lhe endereço), começo por lhe agradecer a referência que me fez e ao meu blogue a propósito do poste sobre a emigração para Israel dos judeus iemenitas.

Note-se que a maioria da comunidade judaica iemenita residia então no Iemen propriamente dito (que entre 1918 e 1990 foi o Iémen do Norte), país já então independente e que se emancipara dos otomanos em 1918, mas um país que era, como refere, totalmente subdesenvolvido, quase medieval.

Mais a Sul, mais desértico e despovoado mas ligeiramente mais aberto para o exterior, e debaixo de tutela britânica, havia um protectorado britânico, que veio a ser depois de 1967 o Iémen do Sul. Aí a população judaica era quase inexistente - excepto numa região do Leste do protectorado (Hadhramaut).

Mas, dentro desse protectorado, havia ainda o território da Cidade de Aden, um porto muito importante para os britânicos que o administravam como uma Colónia da Coroa (estatuto idêntico a Hong-Kong ou Singapura) e que, ao contrário do que afirma no seu poste, era até uma cidade extremamente cosmopolita e desenvolvida - e que também possuía a sua tradicional comunidade mercantil judaica. Foram aliás os motins anti-judaicos em Aden aqueles que, em todo o Iémen, tiveram maior repercussão mediática.

Mas a esmagadora maioria dos refugiados (nomeadamente os que tinham os padrões de vida medievais que refere) vieram das regiões do Iémen do Norte. Sem se confessarem, os britânicos foram essenciais para a logística de toda a Operação. Creio que quase todos, senão mesmo todos os voos com refugiados partiram da base da RAF de Khormaksar (Aden) para Israel.

A despropósito, a popularização do uso de DC-3 excedentários da Segunda Guerra Mundial em terras árabes foi um tema depois aproveitado noutro contexto por Hergé nas aventuras de Tintin em "Carvão no Porão".

Cumprimentos

A.Teixeira

João Pedro disse...

Caro A. Teixeira, devo-lje um pedido de desculpas e dois de agradecimento: as desculpas pelo erro no endereço; o primeiro agradecimento porque me permitiu fazer a respectiva correcção;e o segundo pelas informações que aqui deixou. Estava convencido que a maioria dos judeus iemenitas eram mesmo de Aden, e que estariam na mesma posição de isolamento que a restante comunidade. Esqueci-me também de referir a divisão do território, que já existia em 1948-50.
Quanto ao subdesenvolvimento que os fazia desconfiar dos aviões, as indicações que tinha eram que mesmo em Aden não haveria grande conhecimento de tais aparelhos À data.

O aproveitamento dos DC-3 por Hergé faz todo o sentido, até porque a acção baseia-se nesse preciso espaço geográfico (a costa do Mar Vermelho).

Mais uma vez lhe agradeço os esclarecimentos, que enriquecem em muito o post.