sexta-feira, junho 05, 2009

O declínio dos comícios



No livro de memórias de Freitas do Amaral, (A Transição para a Democracia, Bertrand Editora), publicado há uns meses, está uma fotografia nas páginas centrais que mostra um comício do CDS no Porto, em 1976. Pasma-se perante a amplitude da manifestação, com gente a perder de vista, provavelmente enchendo toda a Avenida dos Aliados. Noutras imagens vêem-se outros comícios dos centristas, em Ponte de Lima, Trás-os-Montes e Póvoa do Varzim (ocupando toda a praça de touros). Durante o PREC havia manifestações gigantes, como os comícios de Soares na Fonte Luminosa e nas Antas, Otelo cobrindo praças em Setúbal e partidos mais pequenos, como a UDP e o PDC, levando milhares ao pavilhão dos desportos de Lisboa. Claro que vinham de mais do que uma localidade, mas ainda assim são imagens que espantam. O CDS a cobrir os Aliados? Hoje, para fazer um comício no Porto, consegue umas mil pessoas no máximo e com "brindes" à mistura.

Um dos indícios do crescente desinteresse pela política, a partidária, pelo menos, é a imagem dos comícios cada vez mais vazios e trombudos, com uns monos arrebanhados pelas secções locais, normalmente com cantoria e comida à mistura. O contraste entre os comícios de hoje - especialmente se forem das europeias - e os de há 30 anos é gritante. E talvez nem seja preciso ir tão longe no tempo. Nos anos oitenta, a "onda laranja" de Cavaco cobria as Alamedas e Aliados e demais terreiros deste país. Na altura da decisão entre Guterres e Nogueira, não faltava animação (e gaffes), arruadas concorridas, líderes partidários a dançar nos mercados e comícios a atrair multidão a rodo.

Os comícios de rua pouco a pouco foram sendo trocados pelos "jantares-comício", em que a malta lá saía de casa a troco de um repasto para ir ouvir os candidatos da sua preferência. Também os artistas musicais encontraram um novo nicho de mercado, tocando nas acções de campanha de qualquer partido (ainda me lembro de um comício do PSD, no Porto, em 1995, em que findos os discursos de Cavaco e Nogueira redobrou a assistência quando os GNR subiram ao palco). A paixão e a vibração da política foram trocadas por umas festarolas como alguma oratória política pelo meio.

Estas europeias têm sido confrangedoras nesse aspecto. O PS não consegue encher um pequeno pavilhão em Coimbra, terreno de Vital, mesmo com a "estrela convidada" Zapatero. O PSD fica-se por sessões de esclarecimento e conferências, o CDS por jantares e o Bloco por acções de rua. Os extra-parlamentares já vão com muita sorte se alguma televisão filmar o candidato e os dois ou três membros da "comitiva". Só a CDU, graças à sempre fiel militância do PCP, ainda consegue organizar comícios que se vejam, em teatros ou nas praças, por vezes com surpreendente dimensão (vejam-se os oitenta mil da sua manifestação em Lisboa).

Nesse aspecto estou de acordo com Sócrates. Os comícios são sempre o sumo das campanhas, a ocasião para o entusiasmo se espalhar, o ponto de encontro por excelência entre os candidatos e seus apoiantes. Levar escassas centenas para uma acção num restaurante apenas prova a falência das ideias e a falta de atracção pela política, tornada coisa corriqueira e mesquinha, e a classe respectiva patética e pouco ou nada convincente. A praia, se o dia estiver bom, é tão mais atraente que as filas (?) nas urnas. É que há sinais que mostram o alheamento das pessoas por aquilo que deveria ser do interesse geral. Um comício é um sinal válido e um barómetro fiel. Cabe aos que os organizam meditar porque é que nem com "atracções musicais" as grandes enchentes de outrora, com bandeiras e slogans, quais claques de futebol à solta se conseguem ver nas clareiras destes grupinhos de militantes que tristemente acorreram a esta campanha das Europeias.

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