sexta-feira, julho 02, 2010

O Adamastor espanhol



Não passámos à fase seguinte, afinal. O adversário também não ajudava. Provou-se que a Espanha é realmente forte, e não o produto de um Campeonato Europeu ganho por mera felicidade. Esta selecção espanhola congrega uma grupo de jogadores que estão no auge das suas capacidades, e quererá mostrar isso aos habituais candidatos ao título mundial.
 

Cair nos oitavos de final perante a Espanha, com apenas um golo sofrido, e depois de se temer o pior na fase de grupos está longe de ser vergonhoso. O que me dá pena nem é a derrota em si, mas a absoluta incapacidade e falta de audácia para tentar dar a volta ao resultado. Portugal não só não atacou depois do golo de Villa como ainda podia ter sofrido mais. Valeu-nos um par de centrais competentes e com experiência, um lateral esquerdo irreverente e um guarda-redes gigante. Fosse a equipa constituída por 11 Eduardos e a história teria acabado de outra maneira.


A primeira razão do desaire é a Espanha ser uma equipa superior. A segunda, quase tão importante, é que Portugal não tem um técnico à altura do evento. Isso já se sabia, mas a passagem aos oitavos camuflou um pouco. Carlos Queiroz não tem autoridade nem consegue fazer alterações necessárias a meio de um jogo, sobretudo quando perde. Ficou provado (espero que definitivamente) que não é de maneira nenhuma um bom treinador principal. Desde a sua passagem pelo Real Madrid que se percebeu isso. A propósito, o treinador de Espanha, Vicente del Bosque, uma velha raposa do futebol, antecedeu-o como técnico dos Merengues, na complicada altura em que os Galácticos queriam sobressair. Ganhou dois campeonatos de Espanha, duas Ligas dos Campeões, uma supertaça europeia e uma Taça Intercontinental. Queiroz deixou a equipa em quarto lugar. Diferença pequena, não é?


Depois tivemos um Cristiano Ronaldo entre o abúlico e o desamparado. Pouco se viu, tirando o "golo de mochila" contra a Coreia e algumas bolas na barra. Fica como o craque desilusão do certame, ao lado de Rooney.


Por fim, há a razão do fado lusitano, desta vez bem personificado. O jogo realizou-se na Cidade do Cabo. No primeiro, o tal contra os norte-coreanos, Madaíl e Queiroz deixaram uma coroa de flores na estátua de Bartolomeu Dias. Uma acção de louvar, rara nestes meios. Mas imediatamente começaram as frases fáceis, como "vamos voltar a ganhar na Boa Esperança e dobrar o Cabo das Tormentas". Se se lembrassem da história, talvez não tivessem invocado o nome do Cabo em vão. Sim, fomos os primeiros europeus a arribar à zona, e Bartolomeu Dias ultrapassou o mítico obstáculo, abrindo o caminho para as Índias. Mas nunca haveria de lá chegar. Acompanhou Vasco da Gama na sua viagem até certo ponto, e em 1500, na expedição de Pedro Álvares Cabral, depois do desvio pelo Brasil, seguiu para Oriente. Ao passar o cabo, as tempestades afundaram quatro navios, entre os quais o de Dias, que pereceu ao largo do Cabo que tinha ultrapassado em primeiro, e que legaria o seu nome à história. As Tormentas com que o tinha baptizado foram-lhe fatais.

Também na nossa segunda passagem pelo Cabo, neste Mundial, acabamos por naufragar, e logo perante o velho adversário castelhano (bem guarnecido de catalães, é certo). A nossa carreira no Campeonato do Mundo teve um estranho paralelo com o destino de Bartolomeu Dias. Os Descobrimentos fazem parte da nossa História, mas o Adamastor pertence à nossa Mitologia, e agora apareceu com vestes castelhanas. Falta-nos é um Camões que reze esta nova e tímida gesta.

Nenhum comentário: