segunda-feira, maio 07, 2012

Uma tragicomédia grega


Entre eventos eclécticos que propõem arremesso de coktails molotovs na Praça Syntagma, brindes de Ouzo nas esplanadas da Plaka e a contemplação do horizonte no Pireu (com sorte, no cabo Sounion,) à espera de salvação ou prevendo o salto para fora, segura momentaneamente por novo resgate europeu e alguns perdões, a Grécia teve finalmente novas eleições ao fim do desastre dos três últimos anos.
Lucas Papademos, primeiro-ministro cessante da Grécia, tem uma qualidade rara entre os que ocuparam o cargo: é dos poucos que não pertence a um dos clãs familiares políticos do país, que já dominam a vida política helénica há várias décadas, atravessando os vários regimes e mantendo-se sempre à tona. Nesse aspecto (como em vários outros, aliás), a Grécia mais parece um país asiático, o que não deixa de ser irónico, tendo em conta que ali se estabeleceu um dos berços da civilização ocidental e um dos baluartes contra a ameaça dos inimigos vindos de Oriente, talvez uma das maiores razões orgulho dos gregos. Talvez derive da longa ocupação otomana, mas o que é certo é que os gregos actuais pouco herdaram dos seus antepassados a não ser as ruínas, a língua - modernizada - e os nomes. Acima de tudo, é um povo balcânico, cuja herança directa é muito mais bizantina e ortodoxa do que helenística, conservando ainda alguns traços dos odiados turcos. Da verdadeira democracia ateniense, da filosofia da ágora e das ilhas onde o tempo sobejava, do espírito de sacrifício de Esparta, na da sobrou. Até mesmo o empreendedorismo naval, das poucas coisas que tinham em comum com a Grécia clássica, está moribundo, sem Onassis ou Niarchos que lhe valham.

A Grécia é um país à deriva, com taxas altíssimas de desemprego, pobreza crescente e poder de compra em constante quebra, além de enorme crispação social e política e da corrupção endémica. Junte-se a isso tudo um clientelismo monstruoso e poderosas instituições que, ao invés de cimentarem e servirem de exemplo à sociedade, constituem um pesadíssimo lastro, como as forças armadas, jogando com a ameaça turca e a divisão de Chipre, a Igreja Ortodoxa, força moral do país desde a independência mas que continua a não pagar impostos e a ser a maior proprietária do país, e os sindicatos, meros grupos subsidiados pelo estado. Mas pelo menos alguma coisa vai mudar com estas eleições: as tradicionais famílias políticas vão por agora ser afastadas. Pode-se falar de autênticas dinastias que dominam os partidos e os governos atravessando transversalmente os regimes. São os Papandreou, que deram três primeiros-ministros nos últimos sessenta anos (George, no regime antes da ditadura, Andreas, fundador do PASOK e figura maior do actual regime, antes e depois da ditadura, e o seu filho George, que chefiou o governo até há poucos meses), os Karamanlis (Konstantinos, várias vezes primeiro-ministro, em dois regimes diferentes, presidente da Grécia nos anos oitenta e fundador da Nova Democracia, e o seu sobrinho, Kostas, que chefiou o governo da ND até 2009, responsável maior do descalabro financeiro do país), e os Mitsotakis (Konstantinos, primeiro-ministro e líder da ND, a sua filha, antiga presidente da câmara de Atenas e ministra, e que por sua vez são descendentes de Eleftherios Venizelos, talvez o mais proeminente político grego do século XX, que chefiou o governo noas anos trinta, inspirou várias correntes partidárias até hoje e deu até o seu nome ao aeroporto de Atenas). Os partidos tradicionais livraram-se por ora deles. A Nova Democracia é liderada por Antonis Samaras e o PASOK pelo mastodôntico Evangelos Venizelos (que ao contrário do que disseram alguns comentadores portugueses, nada tem a ver com Elephterios Venizelos). Uma das muitas reformas imperativas (e refrescantes) do país é precisamente o afastamento destas corporações familiares, autênticas fontes de clientelismo e nepotismo em larga escala.



                      (Karamanlis e Papandreou: uma história de gerações)

Com as eleições de Domingo, o cenário partidário grego estilhaçou-se com a queda abrupta do PASOK e o bisonho resultado da ND. O SYRIZA - Bloco de Esquerda do sítio, a quem Louçã deu apoio directo - ganhou o segundo lugar e pode formar governo, por mais impensável que isso possa ser. Ou então, poderá até ser de novo o PASOK, com os seus 13%, a fazê-lo, já que a ND assumiu a sua incapacidade em formar um executivo nacional. A esquerda mais moderada e a direita saída da ND exigem condições impossíveis de cumprir. Os comunistas do KKE, que sonham com uma Revolução de Outubro transposta para a Grécia de 2012, e os skins descaradamente admiradores de Hitler do Aurora Dourada nem foram tidos em conta (pudera). O cenário é caótico, e admitem-se novas eleições no próximo mês, se não houver governo. Já aconteceu, em 1989, mas desta vez, dada a terrível situação económica e social do país e a ausência de  verdadeiras reformas, a dispersão de votos e a ascensão de extremistas e radicais prometem tempos complicados para a Grécia, o Euro e a União Europeia. qualquer novo governo terá um trabalho hercúleo pela frente, no saneamento financeiro, reajustamento administrativo, recuperação da economia e resistência às corporações e corrupção que minam a sociedade helénica. Em todo o caso, a saída de cena dessas dinastias políticas "asiáticas" não resolve muito, mas bem pode ser um começo para algo novo.

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