terça-feira, julho 30, 2013

O Imperador e a rendição

 
 
 
Já deve estar a sair das salas de cinema, mas há que dizer que nesta época em que quase só se encontram blockbusters de super-heróis recauchutados, comédias requentadas e fitas animação (nada contra, excepto reincidirem em chamar Smurfs aos Estrumfes), o filme Imperador é um autêntico oásis.
 
Não faltam toneladas filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. Do pós-guerra na Europa, esses anos tão duros de renascimento das cinzas,  encontram-se alguns clássicos como O Terceiro Homem, Ladrões de Bicicletas, ou mais recentes, como O Bom Alemão, de Soderbergh, por exemplo. Mas acerca do Japão, da sua rendição, as enormes mudanças políticas e militares, a reconstrução depois do pesadelo atómico sobre Hiroshima e Nagasaki, e o milagre económico que se seguiu, pouco há, a não ser Hiroshima meu Amor. É possível que haja outros, até na filmografia japonesa, mas desconheço por completo.
 
Em Imperador, o cenário de destruição e de humilhação pela derrota está sempre presente. Os americanos sentem-no, mas querem varrer por completo o espírito militarista japonês, sempre com Pearl Harbour na memória. Mas o que realmente se nota é a força das instituições e dos cerimoniais, e o carácter divino e inalcançável do Imperador Hirohito, que nunca se deixava ver, e muito menos recebia estrangeiros na sua presença. A sua voz tinha-se ouvido pela primeira vez na rádio, para enorme espanto e terror dos japoneses, anunciando a rendição - mas sem nunca usar essa palavra. Mas o Imperador mantinha-se longe da vista, no seu palácio. A enorme desafio das forças americanas, chefiadas pelo truculento Douglas McArthur (interpretado por Tommy Lee Jones), e obter dados que provem ou não que Hirohito teve responsabilidade na desencadear das hostilidades, nomeadamente nos ataques de Pearl Harbour, e se consequentemente deve enfrentar o Tribunal como criminoso de guerra, o que poderia levar à pena de morte (aplicada de resto a Hideki Tojo e outras altas figuras do regime militarista japonês). E nesse caso, a uma revolta generalizada dos nipónicos e a impossibilidade de reconstrução do país, unido em torno da figura do Imperador.
 
Como se sabe, as provas foram inconclusivas. O filme mostra isso mesmo, de forma competente. Pelo meio também aparece a costumeira história de amor, para dar um toque de "romantismo" e assim quebrar o ambiente cinza de destruição. Até hoje, não se sabe se Hirohito terá tido real interferência no desencadear da guerra. Mas teve com toda a certeza no advento da paz. Quando se decidiu pela rendição, e por anunciá-la aos nipónicos via rádio, enfrentou a ira dos ultras do regime, para quem render-se era impensável, e para quem a honra militar estava acima do próprio Imperador, contra quem desencadearam até um motim. Mas após a inaudita declaração radiofónica (note-se que ainda hoje é muito raro o Imperador falar aos japoneses, como aconteceu com os desastres de Fukushima), o Japão, completamente arrasado, teve de hastear a bandeira branca. Hirohito aceitou as condições que lhe ofereciam, e até quebrou todos os protocolos ao aceitar encontrar-se com McArthur, apertar-lhe a mão, deixar-se fotografar ao seu lado e declarar-se único responsável pela guerra, se tal servisse para ilibar o seu povo. O general americano, sabiamente, poupou-o a qualquer julgamento, mas com a Constituição imposta pelos americanos, o Imperador passou a ser um monarca constitucional e não já uma figura divinizada e quase imaterial. Ainda assim, manteve-se no trono do Crisântemo até à sua morte, em 1989. Pôde assistir ao completo renascimento do seu país e à sua ascensão como uma das mais fortes economias globais. Apesar das dúvidas que se mantêm sobre o seu real responsabilidade na guerra e nos crimes cometidos pelo Império, a sua decisiva intervenção na rendição e na derrota dos mais fanáticos militaristas permitiu salvar o Japão de desgraças ainda maiores. E indubitavelmente, ao humilhar-se perante o inimigo e aos aceder à perda do estatuto de que gozava até aí, também a ele se ficaram a dever as décadas de ouro que os japoneses viveram depois da guerra que desencadearam e que quase os aniquilou.
 
 

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