terça-feira, junho 28, 2016

Espanha depois de 26 de Junho



A Espanha era, como dizia há uns dias, outro dos pontos quentes da semana que acabou agora. Depois do caldeirão Brexit, os resultados, suficientemente confusos para gerarem dores de cabeça e muitas dúvidas sobre quem governará, foram como que um anticlimax. Afinal, e ao contrário do que diziam as sondagens, que mais uma vez erraram, o PP ganhou com mais lugares do que em Dezembro, o PSOE baixou mas manteve-se em segundo, e o Podemos coligado com a Izquierda Unida não só não ficou em segundo como teve piores resultados do que a soma das duas formações há seis meses. Só o Ciudadanos, como se previa, baixou ligeiramente. Mas os partidos tradicionais aguentaram-se e as novas formações travaram a sua marcha que se pretendia inexorável.

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É interessante ver a alterações e os votos divididos geograficamente: se o PSOE quase só se aguenta na Andaluzia, e mesmo assim periclitantemente, o Unidos Podemos domina na Catalunha mas agora também no País Basco, tendo roubado votos ao PNV e às formações de esquerda abertzale existentes. Já o PP domina o resto do país, incluindo em zonas normalmente mais afectas à esquerda, como as Astúrias e a Andaluzia, e tirando as tais zonas bascas e catalãs, vence em todas  as grandes cidades e capitais de província, assegurando um voto predominantemente urbano. É irresistível fugir à comparação com os votos do referendo britânico: também então se escreveu que o voto anti-UE era predominantemente rural ou de cidades pequenas e de eleitores mais idosos. Aqui, não podendo fazer a mesma comparação geracional, nota-se que o PP, provavelmente auxiliado pelos temores dos resultados do referendo, terá ganho bastantes votos nas grandes urbes dos eleitores europeístas.

Neste mapa interactivo do jornal digital El Español, do antigo director de El Mundo, Pedro J. Ramirez, pode-se ver em pormenor a distribuição geográfica dos votos. É curioso observar que embora a divisão ideológica que já estava presente na Guerra Civil dos anos trinta se mantenha na sua grande maioria (a direita com a Galiza e Castela, a esquerda com boa parte da Andaluzia e Catalunha e os partidos nacionalistas com força tanto na Catalunha como no País Basco), houve algumas regiões que mudaram nos últimos tempos. São os casos das Astúrias, outrora um bastião da esquerda e do operariado mineiro, e onde agora o PP vence, ou da supracitada Andaluzia, onde os populares avançaram e venceram em todas as cidades importantes, nalgumas, como Granada, com resultados inequívocos. Em sentido inverso, na Navarra, em tempos a praça-forte do movimento carlista e das suas milícias requetés, que se opunham à autonomia basca e se colocaram ao lado de Franco, as forças autonómicas, o Podemos e a esquerda abertzale estão em maioria. Sinais dos tempos, da mobilidade geográfica e das mudanças sociais e profissionais, incluindo a diminuição do sector primário e da mudança da indústria.

O futuro próximo não parece simples, mas os partidos terão forçosamente de se entender, ou pelo menos não prejudicar a formação de um governo, sob pena de se cair no descalabro de uma terceira eleição. O mais provável é o PP reforçado conseguir formar governo com apoio do Cidadãos e eventualmente da Coligação Canária (fala-se mesmo no Partido Nacionalista Vasco, o que implicaria um entendimento histórico entre dois nacionalismos antagonistas e várias concessões a Bilbao) e uma abstenção amarga por parte do PSOE. A esquerda, dividida por radicalismos e nacionalismos, está condenada a não se entender. Em qualquer dos casos, Rajoy é o principal vencedor desta contenda, o que constitui um caso espantoso de resistência e perseverança, mesmo que os inúmeros casos de corrupção tenham fustigado o PP, a situação económica e financeira tenha potenciado a emergência do Podemos e do Cidadãos e que as caras no seu partido tenham mudado pouco - em mais de trinta anos, Rajoy é apenas o terceiro líder dos populares, e já lá está há 12 anos. Pedro Sanchez, do PSOE, aguentou-se por ora, mas tem a cabeça posta a prémio pelos barões regionais do partido. Pablo Iglesias e Albert Rivera perderam por enquanto, mas deverão dar cartas para o futuro, assim como Alberto Garzon, o jovem líder da Izquierda Unida e do vetusto PCE (é alguns meses mais novo que Cristiano Ronaldo, só para comparar), já que o bipartidarismo, mesmo tendo ganho algum fôlego, terá de ceder espaço aos emergentes, à recuperada IU e aos nacionalistas, sempre importantes.
E entre as várias personalidades que terão responsabilidades no futuro governo, há que não esquecer a que está mais acima na hierarquia do estado e que representa a unidade de Espanha: o Rei Felipe VI, que tem tido um comportamento inatacável durante todo este longo e tortuoso processo.


Ao mesmo tempo, a título de curiosidade, mantém-se um conjunto de partidos anões, como formações regionalistas quase invisíveis, uma miríade de partidos de extrema-esquerda, a sempiterna Falange, e o centrista, UPyD, que prometeu ser a nova força do centro entre PSOE e PP, chegou a eleger vários deputados, mas que se esvaziou completamente com a erupção do Ciudadanos.

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